Apesar de parte das imagens que se vêem no livro terem sido cedidas por particulares e algumas instituições, sem o trabalho da Ágata nunca teria sido possível apresentarmos em Lx60 a diversidade visual que tanto o enriquece. A partir de dada altura, passámos a olhar para ela não como pesquisadora ou editora, mas como alquimista, detentora única da fórmula para transformar um orçamento curtíssimo num tesouro para todos nós.
E como as fotografias são como os filhos - todos iguais mas uns mais iguais do que outros - aqui fica a primeira parte das escolhas da editora, num texto escrito pela própria.
Escolher imagens
entre imagens que já foram escolhidas é duplamente difícil. Todas elas contam
histórias do seu tempo que, por sua vez, se entrecruzam com o meu. Muitas vezes tinha o
tema ou o texto para me guiar, noutras escolhia fotografias que via sem
qualquer referência, apenas pela sua beleza e importância, na esperança que a
Joana escrevesse sobre elas.
Agora, neste
exercício de escolha, usei o factor ligação em vez dos critérios de gosto ou beleza. São três fotografias cuja descoberta me deu alegria.
p. 42 e 43 - Adeus, até
ao meu Regresso
Sou filha e neta de
retornados. A guerra colonial diz-me muito.
Convivi durante anos com histórias de Moçambique e da Índia. De como
antes a vida era melhor. Mas só para alguns. Esta fotografia mostra os
primeiros soldados que partem para a guerra, em 1961. Mas há algo mais. O que
me entristece mais quando olho para ela,
mais do que não saber se aqueles rapazes voltaram ou não, é a sua felicidade
aparente por terem o que comer. Para muitos, a guerra era encarada como uma garantia
de ter três refeições diárias. Os olhares de dois deles em direcção à comida e um outro que sorve a bebida como se
esta não pudesse esperar são arrebatadores e, ao mesmo tempo, tristes.
p. 46- 20 Valores
Procurar imagens de
época é como procurar uma agulha num palheiro. A agulha está lá mas encontrá-la
é um processo demorado, lento e exige paciência. Até aí estava preparada mas
não estava para o que aconteceu com esta imagem, encontrada numa pasta sobre
moda nos anos 60.
Que o cabelo da
Maria João Pires se assemelhasse aos cortes arrojados de Paris e Londres, um
estilo garçonette ainda escandaloso num Portugal de mulheres cabeludas, e a fizesse contar
deste lote até seria uma hipótese se não fosse completamente descabida. Esta
fotografia, uma das mais antigas da pianista a ser publicada, fez-me dar um
salto na cadeira: pela surpresa, pelo inesperado, pela imprevisibilidade de a encontrar quando já achava que tal era
impossível.
p. 169 – Ordem para Assaltar, Revistar, Vandalizar
A fotografia não
engana, é uma foto-passe igual às que tiramos nos photomatons das estações de
metro ou nos fotógrafos de centros comerciais. Incomodei o Luandino Vieira várias
vezes com emails a pedir imagens suas da década de 60. O assistente editorial
da D. Quixote fê-lo outras tantas. Ele enviou umas recentes que não serviam o
propósito do livro. Voltei a insistir e Luandino lá respondeu, de maneira muito
educada, mais do que a minha ignorância merecia, que tinha estado preso entre
61 e 72 mas que deveria ter uma
fotografia tirada poucos dias antes de ir para a cadeia. Felizmente encontrou a
imagem. Foi tirada para a um livro que escreveu, provavelmente a primeira
edição do Luuanda, distinguido pela Sociedade Portuguesa de Escritores.
Biografia
Chamo-me Ágata e moro em Lisboa com duas gatas e um
bípede.
Sou licenciada em História de Arte - o mesmo é dizer
que passei quatro anos numa sala às escuras cheia de gente vestida a ver gente
despida projectada na parede.
Durante três anos fui coordenadora da secção de
fotografia de um jornal que não voa com o vento, o i. Actualmente, continuo a colaborar com o jornal tanto em texto como
em imagem. Para além, disso escrevo textos comerciais para uma empresa
americana e faço pesquisa e edição de fotografia para livros.
Portfólio
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